quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Um certo nojo

Eu ainda me lembro um pouco daquela frente de casa mais antiga, sem reforma. Aquele jardim velho ali na frente. Era assim: olhando de frente era uma casa numa rua bem aclive. Os portões eram de uma grade cinza de pontas, um portãozinho menor, a cadeado. Atrás das grades, no canto esquerdo, a caixa de correspondência. E hoje, eu pela janela da sala via o jardineiro.
Velho para mim na época, mas creio que naqueles dias ele teria uns 40 anos. Usava a blusa pra dentro da calça, cinto e além de ter uma leve barriga, deixava uns botões da camisa abertos e não duvido nada, de que tinha um cordão com um possível crucifixo. Enfim, tinha um cabelo grande grisalho, um nariz grande demais para o rosto, mas havia alguma simetria que me remetia uma certa ânsia. Nesse mesmo dia, me mandaram levar um café pra ele. Então ele pegou o café da minha mão, tomou, olhando na minha cara e depois disse:

“Tava com gostinho de “quero-mais”.”

domingo, 28 de agosto de 2011

Atlas e Axis (Parte 3)

Boa noite. É uma grande coincidência vê-la por aqui Patrícia. Estive com seu pai minutos atrás, falávamos justamente de como você cresceu. Estou a caminho de casa, venha comigo. ”

Ela me olhava interrogativa, como se não entendesse qualquer palavra do meu idioma. O rapaz bochechudo tomou a palavra e condizente com meu pedido, a direcionou até mim.

     Patrícia sem proferir qualquer palavra, acompanhou-me. Passei meu braço pelas costas da moça, cobrindo-a com meu casaco e contava-lhe sobre o encontro com seu pai, para que o mocinho escutasse. Dentro do carro, travei as portas.

Arnaldo, o que está acontecendo? Onde você esteve? O Seu Abílio te ligou o dia todo.”

Continuei em silêncio. Ela estava com os cabelos desgrenhados pela garoa, a maquiagem levemente borrada embaixo dos olhos. O batom borrado mas não ultrapassava o contorno dos lábios. A blusa era decotada e a calça cinza estava manchada pela garoa. Ela me questionou inúmeras vezes, me mantive em silêncio todo o caminho.

Eu não sabia que você tinha esse carrão chique Arnaldo. Para onde estamos indo? Eu estava preocupada. Senti a sua falta.”

Você já conhece Atlas e Axis? Estão aí atrás, nada contentes. Você desde que entrou no carro não os cumprimentou.”

Pude ver em sua expressão a surpresa. Eram canídeos exemplares. E ao meu ver, também não gostaram da moça. A preferiam em outro estado, assim como eu.

Vocês transaram?”

Como assim?”

Você e o bochechudo.”

Claro que não. Por que essa pergunta? Está com ciumes?”

Parei o carro. Saí pela minha porta, dei a volta pela frente e abri a sua. Peguei-a no colo e delicadamente a coloquei sobre o capô. Ela me olhava com um olhar bondoso e confiante. Ela não me conhecia, definitivamente. Pôs as mãos no meu rosto e tentou me beijar. Como com um bebê, apoiei sua cabeça no vidro, passei a mão pelos seios, pelo abdome, pela pelves e abri a calça lentamente. Ela começou a parecer em uma situação estressante. Minha tese já havia sido decretada correta bem antes, mas queria provar-lhe que eu sabia. Baixei a calça, coloquei a calcinha lambuzada de porra para o lado e meti o dedo.

Cheira.”

Agora sim eu estava melhorando de humor. Os olhos de Patrícia começavam a transparecer medo.

Que cheiro tem?”

Não sei, o meu.”

Errou. Tem cheiro de esperma. Do bochechudo.”

Tirei um lenço do bolso, limpei o dedo e entrei no carro. Logo em seguida ela também entrou. Ela chorava. Continuei meu trajeto, rumo ao meu sítio. Não queria ferrar o bochechudo. O rapaz não tinha culpa de nada. Não que eu me preocupasse, mas tinha me afeiçoado ao rapaz e foder com a vida de um jovem pela culpa da morte de uma puta como ela. Não era justo.

É Patrícia, a sua situação se complicou.”

Me desculpe, meu amor. Eu fui uma imbecil, mas ele me seduziu e me forçou. Eu não queria.”

Patrícia, querida, entenda uma coisa: eu não estou nenhum pouco interessado se você deu ou não para o bochechudo. Que você é uma puta, eu já sabia. Até pro velho escroto do Seu Abílio você deu. A única sensação que a senhorita me inspira a sentir é náusea. Mas já dediquei-lhe um vômito. Quando falo que a sua situação se complicou, me refiro a sua morte. Eu tinha planos antes que precisarão ser mudados. Não quero acabar com a vida do bochechudo. Ele é apenas um rapaz inocente. ”

Ela parou de chorar imediatamente e como era de se esperar abriu os olhos involuntariamente ao sentir que a adrenalina tomava-lhe a corrente sanguínea, instigando-a a luta e a fuga. Neste exato momento ela percebera que estava no caminho do fim. E isso iniciava o meu êxtase. Ela olhava inquieta pelas janelas, para trás, aterrorizava-se mais ainda ao se deparar com o olhar amigo de Atlas e a indiferença de Axis. Quando me olhou, eu também a olhava. Terror, era o que eu queria lhe proporcionar.

Sabe Patrícia, na faculdade eu aprendi a lidar com a morte. E o mais interessante é que só existe uma causa de morte. Você sabia? Imagino que não. Todas as pessoas, todas mesmo, morrem de choque. No entanto, existem várias classificações para tais. O seu se chama neurogênico. Gosta do nome? Suponho que sim. Existe um outro, que é interessantíssimo também. O choque hipovolêmico. Como o próprio nome diz, o volume de sangue diminui. Uma hemorragia, para que você consiga compreender melhor. Sinceramente estou na dúvida, se após seccionar sua medula, eu deveria delicadamente trazer a luminosidade externa para dentro de sua jugular, ao cortá-la. Seria um grande prazer vê-la sangrando em cima de uma mesa, com esse rosto de menina, tornando-se cada vez mais pálido. Mas acredito que o seu sangue não me sirva de nada, melhor que morra contigo.”

Tremores e suores a tomaram de forma instantânea. Como um acusado que esperava pela guilhotina, ela esperava pela morte.

Patrícia, não fique tão nervosa. Antes de tudo, você terá muitas alegrias. Eu garanto. E também, eu sou um homem muito bom. Ao seccionar sua medula você não sentirá nada. Talvez um choque, sinceramente ninguém voltou para me contar. Hahahahaha, soa hilário.”

     Percorremos o caminho do sítio até minha casa. Ao parar o carro, Patrícia, instintivamente tentou fugir. Aquilo sinceramente não me era surpresa. As pessoas agem assim naturalmente. A adrenalina os força a agir assim. Ela adentrou o jardim e se perdeu pelo pomar. Se escondendo atrás do abacateiro. Eu conseguia ver tudo, com certa dificuldade, porém ela enxergava o caminho melhor do que a mim. Adrenalina. Sentei-me, nas escadas que saiam próximas ao pomar. Ela não me via. Cansada de correr. Sentou-se. Atlas e Axis foram ao seu encontro. Levantei-me, estendi a mão, sem resposta. Tomei-a nos meus braços. Dentro da casa, ela estava completamente fora de si. Já havia urinado na calça e aquilo realmente me excitou. Coloquei-a em cima na mesa da sala de jantar, abri suas coxas, senti a resistência inicial, no entanto nada me faria desistir de chupá-la daquele jeito.

     Em um único golpe, Patrícia pegou o castiçal de bronze que estava na mesa e me acertou nos côndilos do occipital. Cravando meus dentes na sua carne, o que a deixou sem reação.

Está nervosa, não está? Tudo bem, não precisa responder. Eu compreendo. Mas por favor, entenda. Não há nada que você possa fazer.”

Eu não quero morrer. Por favor! Me perdoe. Eu juro, nunca mais farei nada disso.”

É impressionante como as pessoas se tornam burras nesses momentos de tensão. Já estava completamente extasiado com o medo que ela exalava.

Patrícia, você vê aquele forno? O anexo ao fogão à lenha. Eu uso para assar cordeiros. É uma delícia. Hoje, vou assar você. Daqui da sala, enquanto tomo meu whisky sentirei o cheiro da sua carne podre assando até virar carvão.”

     Coloquei-a de bruços, amarrei os pulsos próximos do sacro. Posicionei sua testa colada ao tampo de cerâmica da mesa, afastei os cabelos da nuca e beijei a linha visível das vértebras cervicais.

Querida, aqui, onde estão meus dedos, estão localizadas suas duas primeiras vértebras cervicais, elas se chamam atlas e axis. Lindos nomes. Eu sei. Entre essas duas vértebras existe o que chamamos de junção atlantoaxial, no meio das duas, vou inserir a ponta dessa faca, sensibilizar a sua medula e com dois movimentos a seccionarei. Um para a direita e outro para a esquerda, mas fique calma, não vai doer. Eu prometo.”

     Foram as últimas palavras que a moça escutara. Com uma faca de desossar, afiada em ambos os gumes, inseri a ponta da faca cerca de quatro centímetros. Movi a lâmina para a direita e para a esquerda e observei os últimos reflexos nervosos involuntários. Com minha magarefe, subtraí dois suculentos pedaços do glúteo máximo, não poderia deixar de presentear meus queridos companheiros. Como havia mencionado, não gosto de alimentá-los com carne, é apenas um presente, para relembrar-lhes a suas origens. Após algum tempo, o corpo já em rigor mortis, coloquei-a no forno já em brasas. Foi melhor assim, não poderia deixar o bochechudo correr o risco de encontrarem seu sêmen no corpo.

Só me arrependi de uma coisa, esqueci de dizer-lhe sobre os últimos reflexos nervosos. Queria que ela soubesse como ficaria linda esticando as pernas e os braços daquele jeito. 

sábado, 27 de agosto de 2011

Atlas e Axis (Parte 2)

Os sons repetidos, me fizeram andar mais devagar involuntariamente para escutar melhor o que se passava. Senti o instante em que meus neurônios processavam o estímulo auditivo em imagens. Os ruídos familiares transformaram o ambiente em um local inóspito rodeado pela angústia da sensação da traição. Caminhei pé ante pé afim de constatar o que já se era sabido. O calor do momento era notado em ondas visuais que me proporcionaram nojo. O fio da saliva, os cabelos desfeitos, o suor entre os ralos cabelos grisalhos, a pele flácida dos culhões e a virilidade debitada da minha boa vontade em comprar-lhe a medicação. A caminhada tornou-se silenciosa. As repetições sonoras menos audíveis. Nauseabundo, com as mãos nas paredes da cabine sanitária, o líquido ácido queimava-me em sentido contrário ao fisiológico. Tomou-me a orofaringe e a nasofaringe, explodindo nas paredes do sanitário que volatilizava amônia.


Minha mente muitas vezes me torturava com algumas lembranças indesejáveis. Como de comprar a medicação para Seu Abílio, ele tinha vergonha do farmacêutico. Eu costumava me autoflagelar mentalmente. E hoje, eu gostava disso. Me motivaria a cumprir meu plano.

     Não acordei disposto a olhar para a cara da Patrícia hoje, também não dei qualquer satisfação sobre a minha falta. Pessoas realmente doentes não podem avisar. Arnaldo Vieira de Jesus estava em crise, necessitava de repouso absoluto e medicamentos para dores muito fortes. Hérnia de disco pode ferrar com a vida de um cara ativo. Em seguida, liguei para o Tonho:

Como vai meu querido? Como estão as coisas aí no sítio? ”

Aqui anda tudo na mesma, Seu Pedrosa, a produção de leite não aumentou muito, mas acabei de botar as meninas na braquiária e aumentei o farelo. Tudo como o senhor mandou. Acho que em uns dias a Lagoinha vai botar pra mais de 25 litros! ”

Bom, muito bom. Diga-me uma coisa, estou voltando essa noite, vou passar uns dias do fim das minhas férias aí. As crianças chegam amanhã. Por favor, mate um leitão bem gordo e deixe no freezer. Deixe o restante por minha conta. Obrigado Tonho. Fique com Deus.”

Eta nós hein Seu Pedrosa! Leitão é bom demais! Deixa com nós!”

     Atlas e Axis estavam bem tranquilos hoje. Sentado no sofá, Atlas costumava por a cabeça na minha coxa e levantar os olhos para me observar. Ele sempre estava ao meu lado, me seguia pela casa. Axis sempre foi mais solitário. Gostava de se despojar em locais frescos, como o piso da cozinha. Sempre com as patas abertas e a barriga encostada ao chão. Eu não sentia que gostasse menos de mim por isso. Ele sempre me trazia pássaros, ratos, entre outros animais de presente quando conseguia capturá-los. Ainda me lembro de quando os consegui. Na época, o Geraldo ainda mexia com contrabando de animais e trouxe os lobos da Checoslováquia. Eu nunca os vi antes. Eram realmente lobos e, não inspiravam segurança aos estranhos que os viam. Por isso eu não costumava passear com eles em horários comerciais. Eles também preferiam as madrugadas. Por onde será que o Geraldo anda? Creio que ainda trabalhe na imobiliária.

     O meu passado é dividido entre a minha história verdadeira e na minha história fantasiosa, contudo, é uma divisão interligada, como a via linfática e a corrente sanguínea. Todos os seres humanos praticam e vivem da maneira que mais os agradam. Comigo não é diferente. Eu gosto muito do meu trabalho. Sou médico legista. Trabalho no IML e prefiro lidar com os mortos. Desde a época da minha residência era assim. Ainda na faculdade, conheci o Eliot. Ele veio para o Brasil com sete anos. Era alemão. Quando o vi pela primeira vez, estava sentado em sua carteira na sala de aula e desenhava num caderninho. Cheguei bem próximo sem que notasse e observei que desenhava um corpo, em decúbito dorsal, com detalhes musculares perfeitos. Ao notar a minha presença, não demostrou qualquer surpresa. Sem tirar os olhos do desenho:

O que faz aqui, Herr?”

Ele tinha sotaque de alemão. Tinha os cabelos ruivos e ondulados, colados à cabeça. Era possível perceber que passava horas penteando-o daquela maneira para que nenhum fio estivesse desalinhado. Quando me chamou de senhor, no seu idioma, notei que não queria aproximação. Mas eu sabia falar alemão.

Quero te fazer uma proposta, mein bruder.”

Ele aceitou.

Eliot, veja isso! Ele possui aderência em todas as vísceras internas. Já havia visto isso antes?”

Sim. É muito comum nas bovinos.”

Nós costumávamos usar os mendigos no começo. Mas a sensação era cada vez mais incrível. Na bancada do necrotério, deitado, com os olhos abertos, os cabelos bagunçados, as pernas gordas cheias de estrias próximas das nádegas, a boca aberta assim como seu tórax, o policial Meireles, O+, era um bom homem. Não tinha qualquer patologia, mas movia nossos instintos. O meu, de ver o terror nos olhos de outrem antes da morte e, o de Eliot, ao desenhar os corpos. Formamos uma grande dupla, até que Eliot retornou à Alemanha para a residência. Nunca mais nos encontramos.

     Hoje seria Patrícia. Deixei os sapatos, as roupas, o perfume, o aparelho de barbear, a escova de dentes, a louça na pia e apanhei as chaves do gol. Andavam ao meu lado, Atlas na direita e Axis na esquerda. Próximo de uma hora da madrugada, eu já estava dentro do meu carro e me encaminhava para próximo do restaurante. No caminho, relembrei do gol previamente boiando no rio, quando a água começou a penetrar pelas janelas e o engoliu. Esse carro era realmente melhor, além de ter os vidros muito escuros. A estrada estava chuvosa e o asfalto parecia brilhoso. Na esquina do restaurante, o namorado de Lucinha a esperava com flores. Parecia nervoso. Daqui, de onde estou, vejo tudo muito claro sem ser observado. Lucinha como sempre, sai primeiro. A mocinha é muito tímida e anda rapidamente. Nem imagina quem a espera na esquina. Abraça-se pelo frio da garoa, põe o rosto reclinado para o chão e virando na esquina, surpreende-se.

     Exatamente 33 minutos depois, Patrícia. Ria alto. Não parecia se incomodar com o frio. Logo atrás dela, o cozinheiro novo. Ambos estavam fechando o restaurante. O rapaz era baixo, os cabelos castanhos bagunçados e na face eu podia ver a expressão de quem acabara de fazer sexo. Ele usava óculos também. Era bochechudo e se parecia muito com meu filho. Inexplicavelmente sentia um carinho pelo rapaz. Ele a acompanhou até o ponto de ônibus. Tive a certeza de que transaram quando inocentemente a pegou pelas mãos. Pobre diabo, ainda não sabia tratar uma puta como se merece. Liguei o carro, olhei pelo retrovisor, Atlas deitado no banco de trás levantava os olhos para me observar. Axis olhava atento um rato, que andava no muro. Arranquei, numa velocidade de quarenta quilômetros por hora aproximadamente, parei cerca de três metros do casal. O rapaz não me conhecia. Desci.


Continua...

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Atlas e Axis (Parte 1)



     De pé, meio curvado eu fazia minha barba. Aquele espelho tinha marcas de ferrugem e fazia parte daquele tipo mais antigo de armarinho de banheiro, que colocamos escovas de dente, fio dental e outras coisas do tipo. Os azulejos do banheiro eram bem antigos, alguns estavam rachados. Era possível ver a mancha do caminho enferrujado percorrido pelas gotas de água que escapavam do encanamento de ferro pelo azulejo. É tudo muito antigo nesse apartamento. Não me incomoda. Na verdade eu me sinto bem aqui, eu sou do tipo de cara que não gosta de coisas muito modernas. Esses estilos arquitetônicos que estão na moda me traduzem muita frieza. Os móveis de madeira, os azulejos, a pia de mármore branco amarelado pelo tempo, os chuveiros a gás, o piso de sinteco e principalmente as janelas de madeira me faziam sentir muito confortável no meu apartamento. Até mesmo o meu aparelho de barbear ainda era daquele tipo antigo, onde giramos para abrir o compartimento da gilete.

     Meu rosto sem barba é bem mais jovem para 31 anos de idade. Não tenho pêlos dentro nas fossas nasais. As mulheres são muito detalhistas, qualquer detalhe pode ser fatal.

     Sempre preferi o sabonete a espuma de barbear, talvez por ser mais econômico, eu sinceramente não sei o porquê. Meu nariz é fino e grande, não tenho muitos cravos, o que é bom. Meus lábios são arroxeados, mesmo tendo parado de fumar há 5 anos. Talvez seja uma característica minha. Não são finos como de muitos homens da minha família. Nasci com a arcada dentária perfeita, as mulheres sempre me elogiam pelo sorriso. Acho que é minha característica marcante. Eu uso óculos. Não consigo enxergar sem eles. É como um reto projetor desfocado. Uma pena, pois tenho olhos castanhos como meus cabelos, bem escuros. Acredito que ficasse melhor sem eles, mas não me adaptei às lentes de contato.

     Esse novo corte de cabelo me deixou mais jovem, disse o barbeiro. Desde que me mudei pra cá só corto os cabelos nele. Não sei se todos os homens são assim, mas a maioria dos caras que conheço faz isso. É uma questão de costume.

     Muitas vezes eu pensei em comprar um espelho maior. Apesar de ter um grande no guarda-roupa, a iluminação do banheiro é melhor para me observar. Não que eu seja um cara vaidoso, longe disso. Mas eu me acho bonito. Tenho um físico comum, talvez um pouco mais forte, mas é uma característica individual, eu não malho nem pratico atividades físicas constantes. Sou um sujeito mais alto que a maioria, isso impõem respeito. Não queria ser um sujeito baixinho.

     Hoje eu não irei ao trabalho. Não acordei a fim de olhar pra cara da puta da Patrícia. Será que ela não imaginou que eu fosse descobrir? Creio que nem havia pensado nisso. As mulheres têm disso. Fazem as merdas e acham que são muito espertas e ardilosas, mas nem sempre isso funciona. Os homens são mais tolos, são do tipo que deixam rastro. As mulheres nunca deixam e, por isso agem como se nunca fossem ser descobertas.

     Foi tão fácil. Eu não sou um cara desconfiado, nem ciumento. Mas não sou infiel e nem admito que sejam. Pode ser que eu seja infiel na minha mente, mas não pratico. Não tenho nenhum motivo especial, é apenas um código de conduta. Gosto das coisas com seriedade. Eu conheci a Patrícia no restaurante. Logo que me admitiram eu percebi os comentários entre as garçonetes. Fui contratado como gerente.

“Lucinha, acabei de ver quem será o novo gerente!”

“Sério? É gato?”

“É sim! Alto e gostosão. Mas tem cara de chato.”

“Por quê?”

“Ah! Não sei. Tem cara de certinho, sabe? Eu tenho um fraco pelos certinhos...”

“Patrícia, nem vem! Fraco por certinhos? Não. Você é safada de natureza. Você tem fraco por tudo quanto e homem, essa é a verdade. Até o Marquinho, o frentista do posto de gasolina você rasgou na maior cara de pau.”

“Nossa Lucinha, também não é assim. O Marquinho me disse que sempre foi apaixonado por mim.”

“E daí Patrícia? Só por isso você tem que dar pro cara?”

“Ah! Lucinha... rolou uma química na hora. Nós bebemos um pouquinho também. E ele não é de se jogar fora. E também tem o fato dele ser religioso. Homens religiosos são certinhos, não são?”

“Tá bem Paty, tá bem. Você tem razão. Você tem um fraco por certinhos.”

Nunca fui de bisbilhotar nada. Foi mero acaso eu escutar aquela conversa das duas. Não só eu escutei,, o dono do restaurante, Seu Abílio, também escutava. Ao final do encantador diálogo, Seu Abílio ria e dizia:

“Essa Patrícia não tem jeito!”

Pela maneira como ele falava, parecia que se referia a uma criança que faz arte. Sabe quando as crianças pintam o lençol com batom? Exatamente dessa forma.

     Aluguei meu apartamento logo que fui contratado, ele já estava mobilhado. Por sorte não era muito longe do restaurante. Foi inevitável, depois de escutar a conversa entre as garçonetes, eu reparava Patrícia com outros olhos. Quando você não conhece uma mulher, nem sabe nada sobre ela, sempre fica com o pé atrás, analisa o terreno. Mas quando você sabe que a mulher é sem vergonha, tudo se torna diferente. Infelizmente Lucinha não fazia meu tipo, mas hoje que eu me arrependo de não me interessar por ela. Pensamento infame, Lucinha era ruiva, não suporto as ruivas.

     Patrícia era uma moça loira, mas não era natural. Ela pintava os cabelos e não era muito cuidadosa. Mas era gostosa. Ainda me lembro dos primeiros dias em que comecei no restaurante. Ela foi a semana toda com a mesma calça. Não era jeans, mas parecia. Um modelo bem apertado que lhe enfiava pela bunda junto da calcinha. Era inevitável não ter vontade de meter a mão ali. Ela se insinuava pra mim de várias maneiras. Só tinha um pequeno detalhe. Ela não me conhecia. Esperei até sexta-feira, se ela fosse com a mesma calça eu atacaria. Caso contrário tudo seria como antes. Bingo.

“Arnaldo, nas sextas-feiras o restaurante fecha mais tarde. Vou deixar a chave com o senhor e deixo tudo por sua responsabilidade. Amanhã abriremos às quinze horas, mas esteja aqui as nove como de costume. Vamos repassar o balanço semanal e lhe darei novas atribuições fiscais. Combinado?”

“Sim, Seu Abílio. Combinado. Devo baixar as portas que horas? Existe alguma recomendação na saída dos funcionários?”

“Não, tudo continua sendo como quando fechamos às vinte e três horas, porém hoje fecharemos uma da manhã. Estou indo embora logo após fechar o caixa do horário do almoço, provavelmente estarei no escritório ainda por mais 40 minutos. Qualquer dúvida me procure lá.”

“Tudo bem Seu Abílio. Tenha uma boa noite.”

Até sorri depois que ele foi para o escritório, tudo estava de acordo com meu plano. Sou um cara silencioso, não gosto de conversa fiada. Provavelmente por isso eu seja mais observador. E uma coisa era certa, ela não estava em dúvida, ao contrário. As mulheres são muito peculiares, cada uma tem um jeito quando quer dar abertura para um cara. Tem um tipo tímido, que me encanta, a moça não consegue te olhar nos olhos, sempre está com a cabeça baixa e, quando ela olha pra você, tem um olhar infantil e assustado. Tem outro tipo, que não tem qualquer pudor, essa é a Patrícia. A safada me esperou na porta do banheiro quando viu que não estava no balcão e se fez de boba, fingindo não saber que eu estava ali e quando saí da cabine, lá estava ela trocando de blusa. Fiz que não vi, lavei as mãos e sai do banheiro como se ela fosse um espírito. Mulheres safadas gostam desse tipo de tratamento. Eu sei bem como são.

     Patrícia não estava nada satisfeita com a minha atitude séria. Ela faria de tudo para fecharmos, nós dois e ninguém mais, o restaurante. E novamente, bingo.

“Arnaldo, acabou de sair o último cliente, são meia noite e vinte, estou morta de cansada, você pode baixar as portas?”

“Claro Lucinha. E por favor, avise ao pessoal da cozinha que estão liberados. E vocês também podem ir, vou apenas terminar de me organizar e fecho tudo.”

“Não quer que te esperemos? Pode ser perigoso, está tarde.”

“Não, eu moro aqui ao lado. Não há qualquer problema. Pedi que o vigilante ficasse até mais tarde hoje também.”

“Nesse caso, boa noite.”

Lucinha saiu bem depressa, primeiro que todos, ainda dava tempo de tomar o ultimo ônibus. O pessoal da cozinha saiu, as meninas da limpeza também. Como esperado. Patrícia não foi embora. Eu fechei as portas, desliguei as câmeras, afrouxei a gravata, abri os primeiros botões da camisa e entrei na cozinha. Queria comer ela ali. Em cima do fogão industrial. Queria deixar nos seus joelhos as marcas do fogão. Ainda estava quente, mas não tanto quando eu queria.

“Arnaldo. O que faz aqui ainda?”

Esperei que se aproximasse de mim, ela chegou bem pertinho. Já sabia que eu a comeria. Virei a moça de costas e apertei as nádegas marcadas pela calça justa. Abaixei e enfiei meu rosto entre as suas pernas e senti o cheiro que queria. A virei de frente e abaixei a calça e a calcinha de uma única vez. Ela estava depilada. A moça era safada. Abria minha blusa, e gemia alto enquanto eu a chupava, não que eu acreditasse que fosse capaz de provocar tamanho prazer na moça, mas ela queria que eu acreditasse. Ela era muito pequena e tinha o corpo de uma menina de quinze anos, o que me dava mais tesão, só não me atraia o fato de ser depravada. Levantei-me e continuei fodendo com meus dedos, ela continuava gemendo alto. Aquele gemido começou a me irritar, estapeei seu rosto e ficaram marcados os quatro dedos na bochecha pálida. Ela não demonstrou qualquer surpresa. Era uma puta mesmo.

“Sobe no fogão.”

“Mas está quente.”

“Não vou pedir de novo. E fica de quatro, meu amor.”

Sabia que o meu amor no final da frase transformaria meu pedido em uma ordem. As safadas não gostam de ser tratadas como tal. Abria bem as pernas e olhava pra mim. Então meti os dedos dentro da boca da moça para que não gemesse mais, trepamos violentamente. Vez ou outra eu me policiava para me certificar de que os joelhos estariam marcados. Quando percebi que já sangravam interrompi imediatamente e como era de se esperar, começou a me chupar, mas não deixei que se afastasse, queria ver se vomitaria. Não vomitou.

     Ao chegar no meu prédio, pude escutar os latidos de atlas e axis. Eles estavam famintos. Trazia comigo dois suculentos pedações de carne que pegara no restaurante, Não gostava de alimentá-los com carne, mas era apenas um presente.

Continua...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Mercado

     Sou um homem muito ocupado. Não tenho tempo para as bobagens que me pedem. Na realidade eu tenho tempo, só que para as coisas que me interessam. Antes eu achava uma bobagem perder tempo conversando por mensagens do celular, mas a Judite gosta. Não tive escolha. Aqui no escritório, estou sempre ocupado com um coisa ou outra. Já disse para minha secretária, Marcela, que sempre que me ligarem nunca transferir a ligação, informar que eu retornarei em breve. Eu prefiro assim, salvo quando o Ministério Público liga, essas eu sempre atendo. Ah! As ligações da Judite também, mas desde que comprei um telefone para ela isso não acontece mais. Nos falamos por mensagens.
     Na ocasião em que resolvi comprar um celular para Judite, já não aguentava mais receber suas ligações no escritório. Como eu disse, sou um homem muito ocupado.
     São tantas, Judite, Maria Adelaide, Constantina e Antônia. Essas são as mulheres que me relaciono. De todas eu gosto mais da Judite, não há nada de especial, até mesmo pois ela é a mais magra. Eu não gosto de mulher magra. Nem das gordas, mas as magras não me atraem. Judite é silenciosa. Quase não fala. E como sou um homem muito ocupado, não tenho tempo para conversar muito, isso facilita tudo.
     Precisei ir até o mercado essa noite. Infortúnios da vida, pensei. É simplesmente odioso ter de encarar aquelas prateleiras e aqueles corredores dos quais eu não faço ideia de onde as coisas ficam. Creio que perdi um tempo muito grande naquele local, simplesmente para comprar algumas poucas coisas. Marcela, minha secretária, era quem costumava fazer esse tipo de coisa. Ela estava doente. Fiquei sem seus serviços por quase um mês. Não tinha coragem de pedir para a secretária substituta fazer as compras para minha casa. Marcela era praticamente da família. Aquela velha senhora não saberia comprar minhas coisas. Acho que nem eu saberia. Fui com uma lista, encontrei só a metade das coisas. Não tinha tempo para ficar procurando coisas no mercado, sou um homem muito ocupado. Além do que aquelas prateleiras estavam muito sujas.

"Com licença."

"Posso ajudar senhorita?"

"Sim, eu quero pegar a azeitona, o senhor está na frente."

"Ah! Perdão jovem senhora, se me permite, qual delas?"

"Não precisa. Essa aqui."

"Boa escolha, sempre uso dessas. Você sabia que essa azeitona é oriunda de oliveiras do norte espanhol que nunca foram podadas?"

"Ah é?!"

Ela respondeu sem nem me olhar ou dar qualquer atenção ao que eu dizia. Procurava a data de validade.

"Sim."

Ela não escutou. Pela primeira vez uma mulher bonita como aquela não se interessava por mim. Ela nem sequer se surpreendeu pelo meu conhecimento sobre as azeitonas.
   
     Hoje recebi 3 mensagens da Judite. Não tenho tempo para responder, não sei o porquê dela ainda insistir, eu sou um homem muito ocupado. Além de tudo, ainda tenho que comprar o restante da lista que não encontrei ontem no mercado.

sábado, 13 de agosto de 2011

Valdete

     Dias de reflexão não costumam me levar a nada. Mas hoje eu cheguei a várias conclusões, uma delas é que eu sou tímido. Mas não sou um tímido comum. Talvez essa não seja a palavra exata para me definir, mas não tenho um vocabulário tão extenso que me permita tal definição. Minha timidez só aparece em determinados momentos. Não sou tímido quando estou conversando em público ou nas apresentações do teatro. Sou tímido por não saber chegar junto. Comecei a reparar nisso quando me interessei pela Valdete. Quando entrei no grupo de teatro, Valdete já fazia parte e sempre recebia os melhores papéis. Mas não acho que recebesse os melhores papéis pela sua competência, que era muita. Ela dava pro diretor do grupo. Se era por amor ou por safadeza eu não sei, mas o cara era casado e tinha uma filha muito doente. Sempre que vejo os dois conversando baixinho pelos cantos do teatro eu me recordo daquela menina empurrada pela mãe na cadeira de rodas. Ela não tinha um ar saudável e, a mãe menos ainda. Talvez pelo fato de ser desgastante cuidar de uma cadeirante.
     Ontem recebemos novos papéis de uma peça que estrearia logo. Como era se se esperar Valdete ganhou o melhor papel feminino e surpreendentemente eu, o masculino. No instante que recebi a notícia fiquei tão feliz que nem sabia direito a razão. Minutos depois a Valdete veio ao meu encontro e me disse que eu estava de parabéns, desde que entrara no grupo estava evoluindo a olhos vistos. Enfim, me convenceu. E realmente havia me esforçado.
     Não sei se isso acontece com todos os caras, mas sempre que eu entro no ônibus fico de pau duro. Tem hora que isso é constrangedor. Se o metrô fizesse o caminho, certamente escolheria. Mas na minha cidade ainda não existem metrôs. Todos os dias faço o mesmo percurso durante as férias do trabalho. Só continuo as atividades do teatro. Porra, que fome. Acabo de me lembrar que na minha casa não tem nada e eu to duro. Coço a barba, e continuo andando com uma cara de bunda. Acho que sempre faço essa cara. A Clarice uma vez me disse que eu tenho cara de bunda na rua. Clarice devia falar aquilo para me humilhar em frente das amigas. Eu não tinha cara de bunda. Talvez uma expressão anal ao andar pela rua, que não era nada bonita ou inspiradora. Saco as chaves do bolso esquerdo, mas o portão fora aberto antes mesmo de usá-la.

"Muito obrigado Rosinha."

"De nada Rafa! Tudo bem?"

"Sim. E contigo?"

"Agora melhor, desci para pegar a correspondência. Como sempre sua conta de telefone estava na minha caixa."

"Valeu."

Peguei a conta e já no terceiro degrau da escada, Rosinha me chamou.

"Rafa! Eu estou com um probleminha lá em casa. Não consigo instalar o bujão de gás."

"Mais tarde eu passo lá e te ajudo."

Continuei subindo e chamei o elevador.

"Desculpa, mas é urgente. Tive que parar o almoço pois o gás acabou na horinha que eu estava preparando."

Abri a porta do elevador e esperei que entrasse. Eu já estava acostumado com as urgências da Rosinha. Chegando ao apartamento dela, troquei o bujão, almocei e fomos pra cama. Como sempre. Eu nunca precisei usar artifícios para ficar com qualquer mulher. Elas sempre vinham até mim e se insinuavam. O meu papel sempre foi de coadjuvante nesse cenário. E é exatamente por isso que eu afirmo que sou tímido.

     Pensando bem, acho que nunca me interessei por uma mulher que já não estivesse interessada por mim. Valdete foi a primeira.

     No ensaio, fiquei assistindo os outros passarem seus textos, eu fazia parte do segundo ato. Valdete tinha o corpo perfeito. A bunda não era grande, era firme e tenho certeza de que seria a mesma estivesse ela deitada ou de pé. Talvez por ser negra me encantasse mais. Nunca havia sequer beijado uma mulher negra. Seus seios pareciam de boneca, eram perfeitos, idênticos e os mamilos sempre apareciam, em qualquer blusa. Sua boca tinha algo que me instigava, os dentes entravam rente aos lábios inferiores, sobressaltando-os. Me imaginava passando aquela boca em mim e sua língua também. Quando chegou a minha vez eu estava de pau duro. Não dei a mínima importância, mas a Valdete percebeu. Logo após o ensaio, na parte de trás do palco as gêmeas estavam conversando e por detrás delas a porta estava entreaberta, pude ver que estavam discutindo. Passei por perto, andando mais lentamente e fui até o vestiário. Ele entrou bufando.

"Rapaz! Nunca se envolva com mais de uma mulher."

Fiz que sim com a cabeça e comecei a trocar a roupa. O diretor insistiu.

"Você é casado? namora?"

"Não. Não tenho ninguém."

"Feliz é você."

Continuei em silêncio. Aquela situação me deixou feliz. Não acredito que os casamentos sejam felizes para sempre. Mas não acho válido ser como ele fazia. Meu pai sempre me disse que um homem que honra suas calças não maltrata quem as lava. Nunca magoaria a mulher que me casei, mesmo que parecesse impossível.

"Não vou mais comer a Rosinha. Não tenho mais tesão nela."

 Decidi isso naquela noite enquanto estava deitado no chão da varanda do meu apartamento.

     Rosinha era uma boa moça e me dava o que comer sempre. Será que ela sabia que eu não tinha nada em casa? Acho que não. Rosinha era estudante de direito, morava com uma amiga que estava sempre louca. E hoje tinha festa na casa dela. Vou fingir que não estou em casa. Estão fumando maconha lá embaixo e o som está muito alto. Pela primeira vez não quis descer. Já sei, vou tomar um banho pensando na Valdete.

"Rafael, trouxe seu texto. Sabia que ontem você esqueceu ele no vestiário?"

"Não me lembrava. Mas como achou?"

"O diretor me pediu que entregasse. Ele não vem hoje, foi até o hospital com a mulher e a filha."

"A menina está mal?"

"Não, é só um exame."

"Pobrezinha."

"Preciso da sua ajuda com minhas roupas, pode ser?"

Segui Valdete até a coxia. Ela foi se despindo e ficou nua, na minha frente. E começou a fazer o mesmo comigo, não consegui mover um músculo, fiquei paralisado.

"Rafael? O que está acontecendo?"

     Acordei suado e atrasado. Nem tomei banho. Só comecei a pensar quando entrei no ônibus. Eu não tinha coragem de tomar nenhuma atitude que transparecesse meu interesse. Eu era tímido. Merda. Vou vencer isso, hoje.

     Na frente do teatro, uma roda de pessoas. Estavam todos com cara de bunda. Fiz também, para não parecer diferente. Infelizmente eu era mais alto que todas aquelas pessoas e pude ver nitidamente o que havia no meio daquelas pessoas. Era Valdete.




terça-feira, 9 de agosto de 2011

No sangue

"No sangue. A inspiração está no sangue..."

Pobre diabo. Repetia aquela frase sempre que os níveis de adrenalina subiam por algum estímulo sensorial qualquer. Apesar de afirmarem que  o Sr. Arimatéa estava em estado de coma, algo me dizia que ele fingia. Aquele velho maldito sempre dissimulava.

Ainda me lembro daquele lençol. Era de seda, rosa. O ar tinha uma cor laranja hoje e ela estava deitada com sua camisola. Aquela pequena era tão inocente. Sua pele estava turva, com pensamentos nebulosos que invadiam a minha consciência por vários ângulos. Até que subitamente pude perceber que da calcinha infantil transparecia sua perfeição. Quanto alívio. Meus dedos, meus lábios e minha mente sentiam-se tão confortáveis naquela temperatura morna de pele. 

"No que será que ele está delirando?"

Me perdi no instante que o velho abriu os olhos. Ele não me enxergava. Passei a mão inúmeras vezes e nenhum sinal de reflexo. Ele não estava fingindo. 


A minha satisfação não era um alvo fácil, sempre queria mais. Da pele alva eu sentia o cheiro da volúpia, era muito volátil. Aquele cheiro inquieto, a sua onda viril, penetrava pelos meus dedos que traziam a dor, o constrangimento e o sangue. Vivo, lambia-me os  dedos satisfeitos. O ar que era laranja se tornou vermelho e tenebroso, mas eu não conseguia vislumbrar o terror quando sentia que dos meus dedos escorriam o líquido morno que lhe transcorriam às pernas de porcelana. Levei meus dedos até boca e senti borbulhas embriagadas de desejo. Num mero instante, fugaz, me tomou a cascata da satisfação. No sangue. A inspiração está no sangue.